O vento carregava o peso do não-dito.
Após sair da câmara submersa, James caminhou sozinho até os limites do Bosque Interno, uma zona proibida aos aprendizes nos dias de prova. Mas a noite o envolveu como um manto cúmplice, e seus passos silenciosos não chamaram a atenção dos vigias.
Ele respira… ou desmoronaria.
A clareira onde se encontrava agora era estranhamente familiar. No centro, uma árvore gigantesca tombava em duas partes: um tronco que parecia ter sido partido ao meio por uma lâmina invisível. Rachaduras ressecadas corriam por sua superfície como veias mortas. As raízes, no entanto, pulsavam com um brilho âmbar discreto — como se a árvore ainda sonhasse com o que fora um dia.
James ajoelhou-se ali, ofegante. O pergaminho selado pesava em sua mente como uma lâmina encostada à nuca.
"Traidor. Sacrifício. Juiz."
A voz do pergaminho ecoava mesmo sem som. Mas não era só isso. Ele sentiu outras vozes. Como se a árvore caída fosse uma tumba de histórias esquecidas… e algumas ainda gritassem por dentro.
Foi então que escutou:
— "Carregar o Coração exige mais do que força."
James voltou do súbito.
Rhogar estava ali, encostado em uma das raízes, braços cruzados, o olhar sombrio como as terras do norte que o tinham moldado.
— "Você sabia?" — James atirou, com raiva e medo na voz. — "Sabia que o Coração era… uma prisão?"
Rhogar andou lentamente até ele. A cada passo, uma aura ancestral que o cercava parecia pesar mais.
— "Sabia que era perigoso. Mas não o que guardava. Ninguém sabe completamente. Nem os antigos se arriscaram a lê-lo por inteiro."
James cerrou os punhos.
— "Então por que eu trouxeram aqui? Por que eu ganhei como uma peça?"
Rhogar não respondeu imediatamente. Apenas retirou algo do manto: uma pequena adaga, rústica, com inscrições nas laterais.
— "Porque você é o primeiro em séculos a sobreviver ao vínculo completo. Não por poder. Mas por persistência."
James não compreendia. O mundo ao seu redor estava ruindo em verdades quebradas, e mesmo assim esperava que ele se mantivesse de pé.
Rhogar cravou a adaga no chão, ao lado do tronco partido.
— "Myrkanis foi selado. Mas não destruído. A promessa que o mundo fez à sua prisão está quebrando. E se isso acontecer… todas as Casas, todos os Reinos… cairão."
— "E o que eu sou nesse caos todo?"
Rhogar se ajoelhou, ficando de frente para ele.
— "Ainda não sei. Mas vou estar aqui para descobrir ao seu lado. E para evitar que se torne o que foi selado."
James respirou fundo. Pela primeira vez, alguém não falou com medo… mas com propósito.
Na árvore partida, algo brilhou. Um fragmento de cristal oculto no centro do tronco. Um reflexo do passado? Uma memória? Ou apenas o começo de um novo mistério?
O silêncio agora era cúmplice. E à noite, testemunha.