Leonard Everhart
O céu já estava tingido de tons escuros quando Aldrich e eu retornamos do campo de treinamento. O suor secava na minha pele, deixando um incômodo resquício de poeira e exaustão. Cada passo me lembrava do esforço que havia feito e do quanto ainda faltava para alcançar a vitória. Eu não conseguia tirar a frustração da minha mente. Cada derrota me lembrava de como eu ainda estava distante do que almejava ser.
Eu ainda estava irritado com a derrota.
Aldrich andava ao meu lado, silencioso como sempre. Ele nunca zombava das minhas falhas, mas também não oferecia consolo fácil. Apenas me observava, como se esperasse que eu mesmo encontrasse as respostas para minhas frustrações. Seu silêncio era tanto uma ferramenta quanto um teste. Ele sabia que o verdadeiro aprendizado viria de mim, não das palavras dele.
Quando estávamos perto da mansão, ele quebrou o silêncio.
"Amanhã, descanse. Seu corpo precisa recuperar forças antes de continuar treinando."
"Eu ainda consigo lutar" retruquei, rangendo os dentes. "O orgulho de não querer mostrar fraqueza tomou conta de mim."
Ele me lançou um olhar avaliador, como se estivesse ponderando algo.
"Lutar, sim. Mas aprender?"
Aquelas palavras caíram sobre mim como uma marreta. Ele estava certo, eu estava tão obcecado pela luta em si que acabava me esquecendo da verdadeira razão do treinamento. Ele queria que eu fosse mais do que alguém que apenas reagia. Queria que eu fosse alguém que pensasse, que evoluísse.
Eu engoli o orgulho e fiquei em silêncio.
"Venha comigo" disse ele de repente, desviando do caminho para a mansão. "Ele não esperou que eu respondesse, apenas seguiu à frente."
Eu hesitei, mas acabei o acompanhando. Aldrich me guiou até um pequeno pátio de pedras ao lado do salão de treinamento, onde uma única tocha iluminava o ambiente. A luz bruxuleante dava ao lugar uma sensação quase mística, e o som do vento batendo nas folhas das árvores ao redor trouxe uma paz momentânea.
Ele se sentou em um dos bancos de madeira e apontou para o outro.
"Sente-se."
Eu franzi a testa. Eu estava esperando mais treino, mais lutas. Mas ele não se apressou, apenas me observou com calma. Obedeci e me sentei, ainda com os músculos tensos, o suor escorrendo.
"Você está frustrado" disse Aldrich, como se fosse óbvio.
Não respondi, mas a verdade estava ali, bem diante de mim. O peso da derrota ainda me consumia, e eu sabia que não conseguiria descansar enquanto aquele sentimento estivesse me perseguindo.
"Você lutou bem hoje. Mas eu poderia prever quase todos os seus movimentos."
Isso me fez encará-lo, um misto de surpresa e irritação na minha expressão.
"Como assim?"
Aldrich cruzou os braços com um sorriso levemente divertido, como se já soubesse o que eu diria.
"Você confia demais nos seus feitiços. Isso não é um problema por si só, mas sua forma de usá-los é. Você ataca com eles como se fossem apenas uma extensão da sua espada" disse ele, desenhando linhas no ar com os dedos. "Diretos, rápidos, mas previsíveis. Você se torna previsível."
Ele pegou um galho caído no chão e começou a desenhar traços simples na terra, como se estivesse me mostrando uma verdade elemental. Cada linha que ele desenhava parecia cheia de sabedoria.
"Magia e espada são ferramentas diferentes. Se você quer ser um guerreiro versátil, precisa aprender a usar uma para esconder a outra."
Fiquei observando suas palavras, absorvendo o significado por trás delas. A mente de Aldrich parecia ser uma biblioteca de sabedoria prática, e eu era apenas um aprendiz faminto por respostas.
"Você quer dizer que eu deveria... usar magia como distração?"
"Exatamente. Imagine que você tem três ataques disponíveis: sua lâmina, sua magia e sua movimentação. No momento, você as usa separadamente, e isso facilita para mim antecipar suas intenções. Mas se você misturar essas três ferramentas de maneira imprevisível, então eu não vou saber de onde virá o próximo golpe."
Aquelas palavras ficaram presas na minha mente. Eu nunca tinha pensado dessa forma. Até agora, sempre vi a magia e a espada como coisas separadas, como se fossem forças diferentes que não podiam se tocar. Mas Aldrich estava dizendo que elas poderiam se unir, poderiam formar um ataque único, algo que fosse mais do que a soma de suas partes.
"E meu controle de mana?"
Aldrich assentiu, como se já esperasse essa pergunta.
"Você gasta mana demais sem perceber. Quando usa um feitiço, derrama energia nele como se precisasse garantir que funcione. Mas magia não é só força. É precisão."
Ele levantou a mão e conjurou uma pequena lâmina de vento. A lâmina era afiada e cortava o ar sem emitir som, deslizando como uma pluma ao vento. Sua habilidade parecia algo natural, como se fosse uma extensão de seu corpo, algo que ele controlava com uma precisão que eu ainda não possuía.
"Um feitiço pode ser poderoso sem ser extravagante. Você quer que seu ataque seja eficiente, não impressionante."
Fiquei observando aquela lâmina de vento por alguns segundos antes de me concentrar e tentar imitá-lo. Respirei fundo e deixei que minha mana fluísse, tentando criar algo semelhante. Mas, ao contrário da lâmina suave de Aldrich, a minha tremia e parecia falha, como se estivesse prestes a se desintegrar a qualquer momento.
"Veja? Você está forçando mana demais. Tente de novo, mas com menos energia."
Eu assenti, tentando de novo, dessa vez com mais calma. Aos poucos, minha lâmina de vento se estabilizou, embora ainda fosse menos nítida do que a dele.
"Melhor" disse Aldrich, com um leve sorriso, mas sem desviar a atenção de mim. "Agora faça isso durante o combate. Não tenha pressa para derrubar o adversário. Mostre-lhe a sua paciência, como se fosse o próprio vento cortando o ar, sem alarde, mas com precisão."
Abaixei a mão, extinguindo a magia.
"Quanto tempo levou para você aprender isso?"
"Anos" respondeu ele sem hesitação.
Suspirei, a frustração voltou à tona.
"O que! Anos?."
Aldrich me olhou com uma seriedade que eu nunca tinha visto antes.
"Então você precisa aprender a observar. Cada luta é uma lição. Se continuar apenas atacando sem pensar, não vai melhorar."
Fiquei em silêncio, refletindo sobre suas palavras. O que Aldrich queria dizer era simples: a luta não era apenas sobre o que eu podia fazer, mas sobre o que eu podia aprender com os outros. Não deveria me apressar em lutar. Eu deveria, antes, aprender a olhar, a ouvir.
Aldrich se levantou e colocou a mão no meu ombro. Seu toque foi firme, mas não áspero.
"Seu maior inimigo agora não sou eu. É você mesmo."
Fiquei em silêncio, absorvendo aquelas palavras como se fossem um veneno amargo que eu precisava engolir para poder crescer.
"Descanse, jovem mestre. Amanhã voltamos a treinar."
Ele se afastou, me deixando sozinho sob a luz bruxuleante da tocha. Eu olhei para minhas mãos, sentindo o peso da responsabilidade sobre meus ombros.
Amanhã, eu faria diferente. Eu aprenderia com meus erros. E, quem sabe, um dia, superaria as limitações que tanto me atormentavam.