A água se abriu como uma cortina líquida, revelando escadas submersas que desciam até onde a luz não alcançava. James hesitou por um instante. O ar ali parecia mais denso, como se cada inspiração carregasse séculos de história esquecida.
O Coração de Myrkanis pulsava sob seu peito, quente, quase ansioso. Ele sabia — não era apenas um lugar de respostas. Era um túmulo de verdades. E ele caminhou direto para dentro dele.
A cada passo, a escuridão se tornava mais espessa. A água subia até a cintura, depois o peito. Quando cobriu os ombros, ele prendeu a respiração, mas não precisou. Ali, debaixo d'água, poderia respirar como se fosse filtrado pela própria magia do Coração.
Abaixo, apareceu um salão circular, iluminado por cristais que flutuavam no ar como estrelas submersas. E no centro... um espelho rachado, com moldura de obsidiana viva, pulsando como um coração partido.
James se mudou. Seu reflexo não o imitava. O homem no espelho tinha olhos vazios, pele marcada por runas negras e uma expressão de exaustão eterna.
— "Você está vendendo o que pode se tornar." — disse uma voz próxima, mas sem fonte aparente.
Do reflexo, surgiram outras imagens: figuras antigas, algumas com armaduras reluzentes, outras trajando mantos rúnicos. Cada um tinha o Coração fundido ao peito. E todos... ruíram.
— "Quantos vieram antes de mim?" — disse James, a voz abafada pelo peso mágico da câmara.
— "Doze" — respondeu a voz feminina — "Mas você é o primeiro a chegar tão longe... sem quebrar."
As imagens se multiplicaram. Uma mulher de cabelos brancos, caída entre corpos. Um jovem rindo antes de ser consumido em chamas negras. Um velho sussurrando para o vazio, com olhos arrancados.
James sentiu a dor deles como se fosse sua. O Coração ressoava com os ecos dessas vidas. Seus fracassos. Suas ruínas.
— "Por que eu?" — sussurrou.
O espelho se rachou mais uma vez. Um estilhaço brilhou, e dentro dele, James viu algo que congelou seu sangue: Eleanor... e Kael Meryon, de mãos dadas, diante de um conselho em ruínas. O estandarte da Casa Vellmont tremulava atrás deles — e ao fundo, Vandhros ardia em chamas azuis.
— "Isso... ainda vai acontecer?" — ele disse.
— "Pode acontecer. Se você cair."
De repente, a água ao redor ferveu. Vozes gritavam de todos os lados. Ecos de mil promessas quebradas. As paredes da câmara tremiam, e o espelho explodiu — não em estilhaços, mas em visões que o engoliram por completo.
James foi arrastado para dentro do abismo que o espelho revelava.
Acordou deitado na borda da câmara, ofegante. A água agora era comum — e refletia seu rosto novamente. Mas havia algo diferente em seu olhar. Como se os fantasmas do passado estivessem o olhando de volta.
No teto da câmara, palavras haviam surgido, brilhando como runas antigas:
"Você carrega não apenas o Coração... mas a dívida de todos àqueles que falharam."
James se ergueu. Seus músculos doíam, mas sua mente estava clara.
O tempo das dúvidas termina.
Se quisessem pará-lo, teriam que derrubá-lo com tudo.