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Chapter 2 - "As Crônicas de Everia: O Fio da Tecelã"Parte 2: Chegada a Brookside

Brookside cheirava a pão fresco, lama e problema.

Quando cruzei o arco de pedra que marcava a entrada do vilarejo, percebi logo: algo estava errado. As flores que deveriam enfeitar os jardins estavam murchas, as fontes de água... secas. E havia uma tensão no ar, como se até os pássaros tivessem feito as malas e voado para terras menos malditas.

⦁ Bem-vinda a Brookside — murmurei para mim mesma, enquanto o vento carregava um murmúrio estranho, quase um sussurro, que se embrenhava pelas ruelas.

Não demorou muito até encontrar a primeira alma viva: um garoto, talvez com dez verões, que me fitava com olhos grandes demais para o rosto magro.

⦁ Senhora Maga... — disse ele, nervoso, mexendo o boné de lã nas mãos — A senhora veio... consertar?

"Consertar" era uma palavra otimista. Eu ainda nem sabia se não precisaria atear fogo em tudo e começar de novo.

⦁ Vamos ver o que pode ser salvo, pequeno — sorri, tentando parecer mais heroína do que me sentia.

Enquanto ele me guiava pelas ruas vazias, senti um arrepio subindo pela espinha. Distorções mágicas têm cheiro, sabe? Um cheiro de ferro queimado e terra molhada.

⦁ Tem alguém doente? — perguntei, olhando para as portas fechadas e janelas trancadas. O menino hesitou. — Alguns... desapareceram.

Maravilha.

E foi então que, na praça principal, vi a coisa.

Parecia uma fenda no próprio tecido do mundo — uma rachadura no ar, cintilando em tons de violeta e negro. Um portal, ainda instável, flutuava acima da antiga estátua do fundador de Brookside. E, de dentro dele, vinham aqueles sussurros... doces e venenosos como mel estragado.

Respirei fundo e deixei o instinto assumir.

Minha habilidade especial — algo que eu ainda não dominava totalmente — era a Manipulação de Essência.

Não era feitiço comum: era uma arte rara de tocar a essência das coisas — sua energia vital — e moldá-la, selá-la ou purificá-la.

Treinar essa magia tinha me rendido algumas explosões acidentais. E um incêndio, mas prefiro não falar sobre isso.

⦁ Fique para trás — disse ao menino, enquanto meus dedos desenhavam no ar os primeiros selos luminosos. A luz azulada rodopiou em torno de mim, impregnando o vento.

Fechei os olhos e senti: o portal estava faminto. Se eu não agisse logo, ele se alargaria, rasgando Everia como uma mortalha.

Sussurrei as palavras em élfico antigo — uma língua que minha velha mestra Aellira dizia ser "a língua que o próprio mundo entende" — e moldei a Essência ao redor do portal. Era como costurar uma ferida invisível no espaço.

A fenda começou a chiar, estremecer. Resistiu. Claro que resistiu.

Eu sorri de lado. Nada nunca vinha fácil para mim. E, no fundo, talvez eu preferisse assim. Porque era nos momentos difíceis que eu brilhava.

Literalmente, aliás — meus olhos agora deviam estar faiscando com um brilho prateado, como toda boa lenda de maga poderosa mandava.

Quando dei o último passo do ritual, a fenda gritou. Um som lancinante, feito de mil vozes, ecoou pela praça. Mas, com um estalo seco, ela se fechou, deixando apenas o ar vibrando no lugar onde estivera.

Suspirei, cansada, mas satisfeita.

Foi então que ouvi a verdadeira ameaça. Não do portal.

Mas de alguém, escondido entre as sombras das casas. Alguém que riu.

Baixo. Sarcástico.

E muito, muito humano.

⦁ Ora, ora, ora... — disse a voz masculina, arrastando as palavras — Se não é a pequena Aethera, brincando de costureira cósmica.

E eu sabia, sem nem precisar olhar, que meu dia acabava de ficar infinitamente pior.

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