Havia um rumor antigo entre os corredores de pedra do templo: de que o fogo e o gelo nunca deveriam tocar a mesma fonte. Que se um dia isso acontecesse, o mundo sentiria.
Therys e Rhaziel não conheciam essa lenda. Mas estavam prestes a testá-la.
Naquele mês, Vhaen os levou até a Cripta dos Ecos, um lugar abaixo do templo onde os antigos mestres enterravam seus segredos. Lá, a energia era instável — flutuava no ar como fios invisíveis, ora quente, ora fria. Vhaen disse que cada aluno deveria atravessar a cripta sozinho, guiado apenas pela própria energia interior.
Rhaziel foi primeiro.
A escuridão o engoliu assim que cruzou o arco. O calor de seu corpo parecia se perder ali dentro. Tentou invocar fogo, mas tudo que surgiu foi uma centelha fraca. O espaço parecia absorver sua magia.
— Por que está tudo tão… quieto? — murmurou.
A voz voltou distorcida, como um rugido distante.
Rhaziel continuou. A cada passo, via reflexos nas paredes — imagens de si mesmo, mas mais velho, mais forte, e também… quebrado. Visões de um futuro que não compreendia.
Lá no fundo, sentiu algo queimando. Mas não era seu fogo. Era medo.
Quando saiu, suava frio.
Therys entrou logo depois. O frio o recebeu como um velho conhecido. Mas ali dentro, o gelo não respondia do jeito de sempre. Tentava moldá-lo, mas ele escorria por entre os dedos como névoa. Havia vozes, sussurros, que o chamavam pelo nome — e pelo nome de Rhaziel.
Caminhou em linha reta, tentando ignorar os ecos.
No final do corredor, viu uma imagem: dois irmãos lutando. Um mar de lava. Uma muralha de gelo. Os dois se destruíam. E ao redor, o mundo rachava.
— Isso é o futuro? — sussurrou, tocando a parede.
A imagem se desfez como fumaça.
Do lado de fora, Vhaen esperava.— A cripta mostra o que está escondido — disse. — Nem tudo que vocês viram é real. Mas tudo tem significado.
Naquela noite, os irmãos não falaram. Mas ficaram juntos. Dividiram o mesmo quarto pela primeira vez em semanas. Rhaziel pegou no sono com a cabeça virada para a janela. Therys leu até tarde, o livro descansando no peito.
No dia seguinte, algo havia mudado.
Rhaziel tocava o fogo com mais respeito. E Therys congelava o chão com mais firmeza.
Vhaen os observava de longe, encostado numa das colunas do pátio, braços cruzados. Sorriu para si mesmo.
— Estão amadurecendo — murmurou. — Devagar. Mas do jeito certo.
Ao virar as costas, seu manto se abriu por um instante, revelando uma tatuagem antiga: o mesmo símbolo dividido entre fogo e gelo.
Mas agora, havia um novo traço surgindo entre os dois: uma linha dourada — fina, quase invisível.
A primeira manifestação da magia da Graça.