Cherreads

guardiões da noite

raposinha1512
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Synopsis
Dinastia Tang. Xu Liang é um jovem detetive de 20 anos conhecido tanto por sua beleza etérea quanto por sua obstinação quase doentia por resolver mistérios. Chamado de Cão Louco por sua incapacidade de abandonar um caso, ele mergulha de corpo e alma nas sombras mais profundas da cidade de Chang’an. Em uma investigação incomum, Xu cruza caminhos com Li Shen, o temido comandante da Polícia Secreta Imperial — sobrinho da Imperatriz Viúva e responsável por expurgar a corrupção da corte. Frio, autoritário e implacável, Li Shen não tem paciência para pessoas frágeis ou falantes demais… mas algo no detetive começa a corroer sua armadura. À medida que os dois se veem arrastados para dentro de conspirações envolvendo rituais proibidos, seitas ocultas e crimes sem lógica aparente, a relação entre eles evolui de desconfiança mútua para uma aliança inquietante — e, inevitavelmente, um afeto silencioso que começa a se enraizar. Tudo muda quando uma menininha de três anos aparece no meio de um dos casos, solitária, órfã e marcada por um passado cruel. Cuidar dela os obriga a dividir uma casa, e logo, o lar se torna uma fortaleza contra as trevas externas — e internas. Entre cenas de crime, noites insones, risos abafados ao pôr do sol e o caos de criar uma criança em meio à morte, nasce algo raro: amor.
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Chapter 1 - A casa do silencio

Chang'an, 4º ano do reinado do Imperador Longwu. A cidade, cercada por muralhas tão largas quanto rios e tão altas quanto torres, repousava sob o céu tingido de cinza. Uma névoa fina se arrastava pelas ruas como se tivesse vontade própria. Xu Liang caminhava depressa pelas vielas do Mercado de Ervas, as mangas longas de sua túnica azul-acinzentada balançando suavemente enquanto desviava de mercadores e burros carregados. Os olhos dele, grandes e claros, examinavam tudo com uma calma que contrastava com a energia nervosa do corpo. Seus cabelos estavam presos em um coque simples, preso com uma fita preta de cetim já meio desfiada. Havia algo de frágil em sua aparência — como uma pintura de papel de arroz molhado — e ainda assim, a maneira como ele se movia... firme, preciso, implacável. Ele não comia há horas. Também não dormia. Mas isso não importava. A carta selada com cera preta que recebera naquela manhã viera direto da Divisão de Justiça de Chang'an:

"Uma família inteira morta em casa trancada por dentro. Três cadáveres. Nenhum ferimento aparente. Nenhum sinal de fuga. Enviado sob urgência."

— Xu Liang, da Delegacia do Distrito Leste? — O homem fez uma reverência rápida.

— Sim. — A voz dele era suave, quase tímida. — Vocês mexeram em alguma coisa?

— Nada. Abrimos a porta com testemunhas, Trancada por dentro, as chaves ainda estavam na fechadura... por dentro.

Xu Liang entrou. O cheiro foi o primeiro a bater. Não era de sangue, nem de carne. Era doce demais. Quase floral. Algo que não combinava com a cena diante dele. Na sala principal, havia três corpos dispostos como se estivessem apenas dormindo , o senhor da casa, sua esposa e um menino de talvez 10 anos. Todos com os olhos fechados. Todos deitados com as mãos sobre o peito. Todos vestindo roupas formais, como se prontos para um banquete. Mas não havia banquete. Havia um altar vazio. As tigelas rituais cheias de vinho estavam intocadas. O incenso havia queimado até o fim , cinzas espalhadas ao lado dos corpos. Xu Liang se ajoelhou. Pegou um pequeno espelho de bronze e aproximou dos lábios do menino. Nada. Observou a pele, as unhas, os olhos. Sem sinais de violência. Sem sangue. Sem hematomas. Pupilas dilatadas. Ele retirou um alfinete fino do cabelo. Espetou o dedo do cadáver.

— Nenhum sangramento... — murmurou, anotando.

— Sistema circulatório paralisado? Caminhou até a cozinha. As prateleiras estavam intactas, os utensílios em ordem. Mas ao lado do fogão, uma jarra de barro estava fora do lugar. Ele a cheirou.

— Ruibarbo com... lírio-da-paz? Voltou para a sala. O tapete de seda tinha um canto dobrado. Puxou com cuidado. Debaixo, um pedaço de papel: uma oração antiga, rasgada no meio." Que a alma seja levada ao além, e que os laços da Terra sejam desfeitos." Ele congelou. Aquilo não era uma oração comum. Era parte de um ritual fúnebre proibido ,um tipo de encantamento usado por certos monges desertores, séculos atrás, para fazer o "desligamento da alma". Mas por que estaria aqui? O silêncio foi quebrado por um passo firme atrás dele.

— Xu Liang? A voz era fria, como pedra lavada por chuva. Xu se virou e encarou o homem que acabara de entrar. Alto, porte militar, os olhos como lâminas puxadas por linhas de guerra. Vestia preto dos pés à cabeça. No peito, o símbolo da garça negra ,a Polícia Secreta Imperial.

— Sim... — respondeu ele, encolhendo-se instintivamente. — Quem é...?

— Li shen Comandante da Polícia Secreta. — Ele ergueu uma sobrancelha. — E você é o famoso... Cão Louco? Xu Liang sorriu, tímido, baixando os olhos.— É... assim me chamam.

— Fama exagerada, espero. — Li Shen caminhou pela sala como se estivesse inspecionando um campo de batalha. — Os corpos foram movidos?

— Não. A posição é original. E... senhor Li, encontrei isto. — Xu estendeu a oração rasgada. Li Shen pegou o papel com dois dedos, como se fosse algo contaminado.

— Ritual de desligamento... Onde achou isso?

— Debaixo do tapete. E... tem mais. Há cheiro de lírio-da-paz na cozinha. Isso pode causar paralisia no sistema nervoso. Mas não mata com tanta precisão. Li Shen se aproximou, os olhos agora levemente interessados.

— Você é rápido. — E então, olhando diretamente para ele: — "É bonito demais para esse tipo de trabalho ", ele pensou. Xu Liang piscou. Não era incomum receber esse tipo de olhar,sempre o julgavam delicado demais ,ou joven demais, para lidar com casos ... parecia mais uma provocação que um elogio.

— Eu... estou aqui pelo trabalho. Apenas isso. Li Shen soltou um pequeno som entre o deboche e a admiração.

— Veremos. Enquanto os dois investigavam o andar superior, a tensão entre eles crescia. ele era meticuloso, mas falava demais. Li Shen era objetivo, direto, e claramente se irritava com qualquer desvio. No quarto do casal, encontraram uma única coisa fora de lugar: um biombo pintado com cenas do submundo, algo que não combinava com o estilo tradicional da casa. Quando retiraram o painel, uma inscrição estava gravada na parede de barro: "Quando as almas não dormem, a casa morre junto." Xu Liang encarou aquilo com um arrepio.

— Eles não morreram... — murmurou. — Foram desligados.

— Explique-se. — disse Li Shen.

— Há uma teoria antiga... que diz que é possível separar a alma do corpo sem matá-lo fisicamente. Um tipo de... morte espiritual. — Ele olhou para os corpos. — Pode ser por isso que parecem tão... em paz. Mas é uma falsa paz.

Li Shen não respondeu de imediato. Apenas observava Xu Liang com olhos calculistas. Pela primeira vez, parecia enxergá-lo de verdade.

— Então o que você propõe?

— Exumar o chão. Procurar símbolos. Estudar os antecedentes da família. Isso não foi um crime passional. É um ritual. E alguém com conhecimento antigo o fez.

Li Shen se aproximou lentamente. Parou a poucos passos.

— Está me pedindo... autorização para investigar membros da elite? Você sabe que isso requer assinatura imperial? Xu Liang engoliu em seco.

— Sim... estou pedindo. Houve uma pausa. Então, pela primeira vez, Li Shen esboçou um sorriso. Pequeno. Quase imperceptível. Mas real.

— É mais louco do que dizem. E saiu da sala. Xu Liang respirou fundo. Seu coração batia acelerado. Não era só pelo caso. Era por aquele homem que acabara de virar sua sombra, uma sensação de perigo o alertava a não se envolver com aquele tipo.